terça-feira, 26 de novembro de 2013

Emerson Fittipaldi fala sobre Ayrton Senna no blog da McLaren – do começo ao fim

Não faltam depoimentos sobre as memórias de Ayrton Senna. Mas o que temos neste post é algo muito especial: a história da relação entre Senna e Fittipaldi, contada em detalhes por Emerson – do começo da carreira de Ayrton, quando migrou do kartismo para a Fórmula Ford, à reação da notícia de sua morte. Felizmente, é um texto bastante longo, publicado no blog da equipe McLaren, e que tive o prazer de traduzir para vocês. Apertem os cintos e embarquem na história!
As únicas concessões que fiz foi inserir alguns subtítulos para dividir o texto, além de fotos e vídeos. No resto, procurei manter o máximo de fidelidade às palavras de Emmo.
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Ayrton Senna, from the heart

O começo: a equipe Van Diemen (Fórmula Ford)
Penso no Ayrton sempre que vou a Interlagos, especialmente porque foi em Interlagos que o encontrei pela primeira vez, em 1976, quando ele tinha apenas 16 anos. Eu estava testando o meu carro de Fórmula 1 da Copersucar, e ele e o pai dele, Milton, estavam assistindo.
Naquele dia, Ayrton competiu com o seu kart no kartódromo de Interlagos, ao lado do autódromo, e como era costumeiro, venceu a prova. Ele estava ganhando tudo no kartismo brasileiro naquela época, e por isso eu já tinha ouvido tudo sobre ele. Também conhecia o seu pai. O Milton era um homem bem sucedido, proprietário de várias fábricas em toda a região de São Paulo.
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Milton se aproximou de mim e pediu alguns conselhos – e eu respondi sem titubear. “Entre em contato com Ralph Firman”, disse. Não o Ralph Firman jr, o piloto que correu em 15 provas pela Jordan em 2003, mas sim, o seu pai, Ralph Firman sr, que fundou em 1973 a lendária equipe de Fórmula Ford Van Diemen, próximo ao autódromo de Snetterton, em Norfolk (Reino Unido), e que foi o meu mecânico quando Jim Russell me convidou para correr em seu F3 Lotus 59 no Guards Trophy de 1969, em Brands Hatch – foi a minha primeira prova de F3. Não me qualifiquei na primeira prova, mas venci a segunda etapa e terminei em terceiro na 3ª bateria: nada mal para uma estreia.
Então eu conhecia o Ralph muito bem, e eu o recomendei com muitos créditos, pois tinha certeza de que ele seria o cara certo para o Milton e o Ayrton entrarem em contato e direcionarem os seus esforços para o próximo passo – a importante jornada do Brasil para a Europa, o salto gigante que eu mesmo trilhei sete anos antes. Por sinal, foi um bom conselho: Milton entrou em contato com Ralph, eles fecharam um contrato e Ayrton pilotou, com muito sucesso, os carros da Van Diemen por alguns anos, vencendo o campeonato inglês de Fórmula Ford 1600 com um Van Diemen RF81, em 1981.
Mas eu já sabia que Ayrton seria especial, bem antes de ele se tornar campeão da F-Ford, e por algum tempo estive procurando a oportunidade de ajudá-lo a ir mais longe. Em 1980, eu tive esta chance. Na prova de Osterreichring daquele ano, eu iria correr de F1 e Ayrton competiria na prova de abertura, de Fórmula Ford 2000. Ele tinha 20 anos na época, e ainda era muito tímido. Eu estava em meu último ano na F1, pilotando o Fittipaldi, criação minha e de meu irmão Wilson.
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Naquele fim de semana, eu apresentei Ayrton de uma ponta a outra do pitlane de Osterreichring, apresentando-o para cada os chefes de equipe, um a um. “Este rapaz será campeão mundial, talvez será campeão mundial muitas vezes”, eu dizia a todos. Talvez eles acharam que eu estava ficando maluco – ou, mais provavelmente, que estava só fazendo propaganda forçada para um compatriota –, mas eu já sabia que eu estava dizendo a verdade, toda a verdade, e nada mais do que a verdade.

Os meus pilotos favoritos de todos os tempos
Muitos me perguntam qual o melhor piloto de todos os tempos em minha opinião, e frequentemente esta pergunta já tem um direcionamento para que eu diga que é o Ayrton. Mas é muito difícil – talvez impossível – de se equiparar pilotos de diferentes épocas, e é por isso que não gosto muito deste comparativo.
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Meus heróis são caras como Tazio Nuvolari, o chamado “mantuano voador” das décadas de 1920 e 1930, que foi descrito por Ferdinand Porsche como “o maior piloto do passado, do presente e do futuro” e que pilotou de forma tão majestosa pela Bugatti, Alfa Romeo, Maserati e finalmente a Auto Union; Achille Varzi, o grande amigo e rival de Nuvolari, que ganhou mais de 30 corridas pelas mesmas quatro fabricantes na mesma época; Rudolph Caracciola, que triunfou no Campeonato Europeu de Pilotos (o predecessor ao Campeonato de Pilotos da F1) pela Mercedes-Benz em 1935, 1937 e 1938; Bernd Rosemeyer, que era praticamente imbatível em seu Auto Union no amedrontador Nürburgring Nordschleife na década de 1930 e que certa vez venceu uma prova com espessa neblina; Juan Manuel Fangio, que venceu 24 grands prix e conquistou cinco campeonatos de F1 durante a década de 1950; Jim Clark, que conquistou dois campeonatos mundiais e 25 corridas pela Lotus entre 1962 e 1968, e que só chegou em segundo em uma corrida (um dado quase emblemático da cultura “ganhe ou quebre” de Colin Chapman, nosso ex-chefe de equipe da Lotus); Jackie Stewart, que venceu três campeonatos mundiais e 27 provas de 99 largadas, e que considero o meu rival mais estimado durante minha carreira na F1; Michael Schumacher, que conquistou 91 corridas e sete campeonatos mundiais, um magnum opus que não sabemos se será batido por Sebastian Vettel, a atual megaestrela da Fórmula 1, que precisa estar entre os grandes pilotos que eu tive o prazer de listar para vocês.
Sem dúvida alguma, Ayrton pertence a esta lista – e, talvez porque ele era brasileiro como eu, e talvez porque ele era o meu amigo, tenho a felicidade de nomeá-lo, sim, como o melhor piloto de todos os tempos, em minha opinião.

Senna, o artesão
Ele era inacreditavelmente bom. É compreensível que ele seja famoso por sua velocidade natural incrível, mas a sua ética e metodologia pródiga de trabalho é frequentemente subestimada. Ele treinava assiduamente e por isso estava sempre em forma perfeita, estudava os dados com os seus engenheiros com cuidado milimétrico e sempre analisava profundamente o seu próprio ofício. Sim, ele recebeu um dom de Deus, uma habilidade sublime, mas ele sabia que isso sozinho não bastaria – e então trabalhou neste talento, o poliu, o deixou impecável, e é por isso que eu uso a palavra “ofício” para falar sobre a sua pilotagem, e não “habilidade” ou “arte”.
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Sim, ele era habilidoso, sim, sua pilotagem era artística; mas a razão pela qual ele teve este sucesso supremo foi porque ele era um artesão perfeccionista dentro e fora do cockpit, que não deixava nenhum detalhe passar batido em seus esforços para ser o melhor. Ele se sacrificou para conquistar o seu sucesso, não se engane a respeito disso.
Qual foi a sua melhor corrida? Não consigo dizer, mas uma que brilha de forma instantânea em minha cabeça é o GP da Europa de 1993, disputado em Donington Park (Reino Unido). Ele se classificou apenas em quarto com o seu comparativamente impotente McLaren MP4-8 com motor Cosworth, atrás do Benneton B193 de Michael Schumacher (terceiro) e da dupla imbatível de Williams FW15c de Alain Prost e de Damon Hill, que lideravam o grid; mas no dia da corrida, sob chuva torrencial, Ayrton foi intocável.
Eu assisti a corrida pela TV em minha casa, em Miami (EUA), e fiquei completamente pasmo pela primeira volta de Ayrton. Ele teve uma largada ruim, caiu para a quinta posição, mas o que eu vi na tela da televisão nos próximos 45 segundos foi puramente genial. Não há outra expressão.
Ele encontrou aderência onde ninguém mais sequer sabia que havia para buscá-la, e passou Karl Wendlinger (que tinha o superado na largada), Schumacher, Hill e Prost, um após o outro, e, ao fim da primeira volta, era o ponteiro da corrida com algum conforto.
No dia seguinte, eu o telefonei. “Ayrton, aquilo foi simplesmente inacreditável! Você nunca mais vai fazer outra volta como aquela em sua vida”, eu exclamei. Dentro de minha cabeça ainda escuto a sua reação, um riso envergonhado, mas feliz, enquanto escrevo isso.

O adeus
Apenas um ano depois, ele se foi. No 1º de maio de 1994, o dia em que ele faleceu enquanto liderava o GP de San Marino, em Ímola, eu estava testando o meu Indycar Penske-Mercedes, no oval de Michigan. Eu tinha acabado de começar uma sessão de pé embaixo com tanque cheio, que consiste de 28 voltas naquele maravilhoso super-speedway, onde médias superiores a 370 km/h eram a norma naqueles fantásticos monopostos de mais de 1.000 cv. Eu estava focado, empolgado, fazendo aquilo que era a minha razão de ser, no limite, feliz.
E então o meu chefe de equipe repentinamente me chamou no rádio: “Emmo, come in (entre nos boxes)”, ele disse.
Essa foi uma instrução muito incomum, especialmente durante uma sessão de testes como aquela, então eu respondi “por que, há algo errado com o carro?”.
“Não, não, não, apenas entre nos boxes agora, por favor”, foi a resposta.
E então eu aliviei, desci ao pitlane, trouxe o carro até a equipe da Penske e perguntei “qual é o problema, pessoal?”.
“Sua esposa quer falar com você no telefone”, meu chefe de equipe respondeu.
Senti um frio terrível na boca do estômago. Eu imaginei que algo temeroso tivesse acontecido com um de nossos filhos – não poderia pensar em outra razão para o meu chefe de equipe tratar uma ligação de minha esposa com tamanha urgência. E então eu pulei fora do carro e corri até a garagem, onde um dos mecânicos segurava o telefone com o braço estendido, pronto para que eu atendesse.
“O que foi? É algo com um de nossos filhos?”, perguntei à minha esposa.
“Não”, ela respondeu. “É o Ayrton. Ele acaba de falecer em Ímola”.
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Eu fiquei sem palavras. Na verdade, eu não tenho palavras até hoje, nenhuma palavra.
Mas eu irei tentar agora, quase vinte anos depois, expressar o que eu senti naquele momento. Eu senti a mais profunda amargura, a mais intensa tristeza. Ok, eu sabia que o automobilismo era perigoso, claro que sabia, mas, fora o pobre Roland Ratzenberger, que morreu em Ímola no dia anterior, a Fórmula 1 não tinha sofrido uma fatalidade desde o acidente de Elio de Angelis, que morreu testando em Paul Ricard, em 1986, e ninguém tinha morrido durante um GP desde o acidente de largada de Riccardo Paletti, na prova de Montreal, em 1982.
Além disso, os chassis dos F1 da década de 1990 já eram super resistentes, feitos de fibra de carbono, e eu acho que isso nos deu uma falsa sensação de segurança. Nós tínhamos a expectativa de pilotos caminharem ilesos de seus carros arrebentados, mesmo após grandes acidentes, e normalmente eles faziam isso, como inclusive fazem hoje. Mas, como eu disse, o automobilismo é perigoso, nós sentíamos isso em nossos corações na época e ainda sentimos, e mesmo um piloto brilhante como Ayrton seria e sempre será impotente para evitar de se ferir em um acidente tão terrível como o que ele sofreu naquela curva Tamburello, em Ímola, em 1994.
Eu olhei para a equipe da Penske, enfileirada com rostos desmotivados e amargurados, na garagem de Michigan e disse: “Eu não consigo continuar, pessoal. Não agora. Não hoje.”
Eles entenderam. Ayrton tinha testado um Penske-Mercedes da Indycar exatamente um ano antes, então os caras que estavam comigo conheciam o Ayrton, pois eles acompanharam o seu teste. Isso me ajudou. Eu me senti sozinho, mas não solitário. Outros à minha volta compartilharam a minha tristeza, ainda que a perda deles não fosse tão profunda como a minha, solidários à minha reação à notícia da morte deste homem que eu amava e admirava.
Eu liguei para Roger Penske. “Eu preciso ir para casa, Roger”, eu disse.
“Eu entendo, Emmo”, ele respondeu, e eu voei de volta para Miami naquela tarde. No voo para casa, me senti paralisado.
A memória do funeral de Ayrton, que aconteceu alguns dias depois em São Paulo, e que foi seguido por três dias de luto oficial em todo o País, ficarão comigo para sempre. Três milhões de brasileiros formaram um corredor nas ruas de São Paulo por onde o cortejo fúnebre passou – muitos deles chorando abertamente. Me foi dito que esta ainda é a maior concentração de pessoas em luto durante um cortejo da era contemporânea.
Me foi concedida a honra de ser um daqueles que carregariam o caixão de Ayrton – junto com Jackie Stewart, Alain Prost, Gerhard Berger, Damon Hill e Rubens Barrichello. Nós o enterramos no cemitério do Morumbi, em São Paulo, e em seu túmulo está esculpida a frase “Nada pode me separar do amor de Deus”.
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Fui incapaz de retornar para visitar o seu túmulo desde aquele dia.
Eu amei Ayrton, o admirei, e também tinha orgulho dele: orgulho de que o Brasil pôde ter um campeão assim. Em 1969, eu cheguei à Inglaterra, e lá obtive sucesso relativamente rápido, ganhando os campeonatos de F1 em 1972 (pela Lotus) e em 1974 (pela McLaren).
Eu me aposentei da F1 em 1980, e minha coroa de “campeão brasileiro” foi imediatamente herdada por Nelson Piquet, que conquistou os campeonatos de 1981 e 1983 pela Brabham e de 1987 pela Williams.
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E então, antes mesmo de a estrela de Nelson começar a perder o brilho, o palco da F1 recebeu o maior de nós todos. Ayrton venceu todos os seus campeonatos pela McLaren, em 1988, 1990 e 1991, e o seu nome e aura sempre serão sinônimos àquelas soberbas máquinas vermelhas e brancas.
O resultado – o legado – é uma cultura de conhecimento e respeito aos pilotos de F1 brasileiros que eu espero que nunca morra. Nós três vencemos oito campeonatos em apenas vinte temporadas, o que é uma média impressionante, e o meu irmão Wilson e o nosso amigo José Carlos Pace, que morreu em 1977 e em sua homenagem foi batizado o circuito de Interlagos, também devem ser honrados por suas contribuições – como Rubens Barrichello e Felipe Massa, que venceram 11 GPs cada um, e o caso de Felipe ainda pode somar à conta; e eu torço para que some.
Mas, como eu disse, o Ayrton era o maior de nós – e, quase 20 anos após ele ter sido levado da gente, ele ainda é amado com devoção fervorosa no Brasil. E, na corrida deste domingo (24 de novembro de 2013), enquanto eu caminhava para Interlagos, enquanto eu acenava para a torcida calorosa, eu não apenas acenei por mim, mas também por Ayrton, que venceu dois grande prêmios em Interlagos, em 1991 e em 1993, ambas as vezes pela McLaren: dois dos dias mais felizes de sua vida.
Eu sinto a presença de Ayrton todos os dias. Frequentemente rezo por ele. Sei que um dia nos encontraremos novamente.
Fonte: http://www.jalopnik.com.br/emerson-fittipaldi-sobre-ayrton-senna-do-comeco-ao-fim/

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